“O resultado da terapia é tornar-se uma pessoa autónoma, capaz de ser o que é, e de escolher o seu caminho.”

— Carl Rogers

Pintura de Manuela Araújo
@ama.ateliermanuelaraujo

Definição e Campo de Intervenção da Psicoterapia

O termo psicoterapia deriva do grego psykhē (ψυχή) que significa "espirito; alma; mente" e therapeuein (θεραπεία) que se refere a "cura; tratamento".

A psicoterapia é um método de tratamento interpessoal para o sofrimento mental o qual inclui sintomas psicopatológicos, padrões disfuncionais de cognição, de comportamento ou emocionais na interação com os outros, com o mundo, e, consigo mesmo, promovendo ainda o crescimento e o desenvolvimento da personalidade. A prática da psicoterapia é baseada nos princípios de funcionamento do psiquismo e pressupõe a existência de um psicoterapeuta com formação específica na área e um paciente/cliente que procura ajuda individualizada e devidamente adaptada ao seu caso particular.

A prática da psicoterapia remonta ao início do século do XX com os contributos pioneiros da psicanálise através de Sigmund Freud e do comportamentalismo via Ivan Pavlov e John Watson. Estes modelos teóricos foram ambos desenvolvidos no seio da prática e estudo da medicina, inserindo assim a origem da psicoterapia no modelo médico. A evolução da psicoterapia viria a contar, mais tarde, no pós-guerra, com o desenvolvimento de um terceiro modelo a partir das abordagens humanistas consubstanciadas nos fundamentos teóricos da filosofia – fenomenologia – (Kierkegaard, Husserl e Heidegger), da Terapia Centrada na Pessoa através de Carl Rogers, na Terapia Gestalt com Fritz Perls e na Terapia Existencial com Rollo May e Viktor Frankl. Este terceiro modelo defende que a psicoterapia deverá ter em conta a compreensão do mundo do paciente/cliente, a suposição de que os seres humanos procuram o seu desenvolvimento pessoal, a convicção de que as pessoas têm autodeterminação e que o terapeuta deve respeitar cada paciente/cliente apesar das suas ações ou papel desempenhado.

Assim se compreende que alguma psicoterapia, de perspetiva humanista, tenha as suas raízes nas ciências sociais e humanas por oposição à medicina e à ciência experimental. Consequentemente, as principais escolas ou forças que orientam os vários articulados teóricos em psicoterapia são a Psicodinâmica (a partir da psicanálise), a Cognitivo-Comportamental e a Humanista. Cada um destes modelos inclui uma abordagem diferenciada em termos teóricos, com uma metodologia própria em termos da sua aplicação clínica e métodos de investigação, razão pela qual alguns autores proeminentes defendem o campo de atuação da psicoterapia como uma disciplina distinta, diferenciada e interdisciplinar de áreas afins em saúde como a psicologia, a psiquiatria, as neurociências e a neurobiologia, e de áreas afins em ciências sociais como a antropologia, a sociologia, a filosofia e as ciências da comunicação.

Refira-se ainda que ao longo de mais de um século a psicoterapia tem vindo a acompanhar a evolução complexa e multidimensional da pessoa humana – vertente mental, física, relacional, emocional e espiritual - e consequentemente, a partir dos seus fundadores, muitas escolas de psicoterapia vieram a aprofundar aspetos específicos dessas dimensões humanas ou conceptualizando abordagens novas e complementares com a integração de conhecimentos particulares. É o caso da Análise Bioenergética, da Grupanálise, da Biossíntese e Terapia Psicocorporal, da Arte-Psicoterapia, das Terapias Sistémicas (Familiar), entre outras.

Jaçanã-africana, Rio Chobe - Botswana
Foto de Sérgio Pires
@spires07

Por outro lado, a psicoterapia também tem vindo a desenvolver-se em paralelo com o desenvolvimento de meios técnicos e tecnológicos que hoje permitem validar cientificamente aquilo que os psicoterapeutas vinham, há décadas, a comprovar nas suas sessões clínicas. Um dos exemplos mais ilustrativos é o progresso das neurociências e da neurobiologia que atualmente conseguem observar o impacto da psicoterapia no cérebro através de imagens produzidas por exames computadorizados de ressonância magnética e tomografias PET (tomografia por emissão de positrões) e Spect (tomografia por emissão de fotão único). De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria, as neuroimagens mostram mudanças no cérebro de pacientes com perturbação mental (depressão, perturbação de pânico, stress pós-traumático entre outras condições) como resultado da psicoterapia, e mostram igualmente que, em muitos casos, as mudanças cerebrais derivadas da psicoterapia são semelhantes às mudanças produzidas pela medicação.

Torna-se evidente que o âmbito da prática da psicoterapia é o da saúde mental quer no tratamento da sintomatologia psicopatológica, como é o caso das perturbações de humor, ansiedade, depressão, bipolaridade, stress pós-traumático, fobias, ataques de pânico, perturbação obsessivo-compulsiva, perturbações alimentares, perturbações de personalidade, estados psicóticos ou adições, quer em situações de trauma ou perdas (luto, divórcio, desemprego, …), contextos de conflito interpessoal ou mesmo a intervenção na melhoria do estilo de vida e no desenvolvimento pessoal.

A investigação produzida ao longo de décadas tem vindo a constatar a eficácia da psicoterapia, como melhor veremos na última parte deste parecer. A revisão cuidada e exaustiva de milhares de estudos científicos, qualitativos e quantitativos, refere que cerca de 75-85% dos pacientes que fazem psicoterapia apresentam benefícios. Esta descoberta é válida para um conjunto amplo de perturbações e formatos tais como psicoterapia individual, casal, família e de grupo..

Segundo a American Psychological Association, estudos afirmam que em média 80% das pessoas em psicoterapia apresentam melhoras no final do tratamento quando comparado com aquelas que não receberam qualquer tipo de tratamento psicoterapêutico.

A literatura científica refere benefícios significativos em termos do desenvolvimento de competências de comunicação, inteligência emocional, padrões de pensamento mais saudáveis e uma maior autoconsciência sobre pensamentos negativos e crenças, melhoria na capacidade de fazer escolhas mais adaptadas e uma maior compreensão da própria vida, desenvolvimento de estratégias de superação e coping, construção de vínculos familiares mais fortes, motivação, autoestima e sobretudo a construção de uma nova perspetiva de vida e ressignificação subjacente.

Ilha de Sedudu, Rio Chobe - Botswana
Foto de Sérgio Pires
@spires07

Mais recentemente a investigação em psicoterapia tem vindo a focar a sua atenção nos fatores que contribuem para o seu sucesso. Tal como qualquer empreendimento humano complexo a resposta reside num conjunto de fatores e numa combinação ótima entre eles. Deste modo, várias são as evidências empíricas e meta-análises que afirmam a eficácia da psicoterapia em diversas condições sintomatológicas, independentemente da diversidade de abordagens técnicas e orientações teóricas referidas acima.

Os fatores comuns identificados são transversais às várias orientações técnicas e escolas de pensamento em psicoterapia e revelam-se essenciais para o melhoramento da saúde mental dos pacientes/clientes.

Um dos principais e mais consistentes contributos para a eficácia da psicoterapia advém do estabelecimento de uma boa Aliança Terapêutica, i.e., a qualidade da relação entre o terapeuta e o paciente/cliente. Uma relação de confiança, de compreensão empática, aceitação e colaboração entre o terapeuta e o cliente reconhecidamente facilita o trabalho terapêutico. Neste ponto não se pode deixar de salientar o trabalho pioneiro de Carl Rogers que identificou a relação entre paciente e terapeuta como um pilar fundamental na psicoterapia. Outros fatores comuns são apontados tais como a Formação e Supervisão Profissional do Psicoterapeuta, o Autoconhecimento do Psicoterapeuta, a Compreensão do Problema do Paciente/Cliente e a sua Adaptação Individual, i.e., psicoterapeutas competentes e idóneos compreendem profundamente os desafios e a psicopatologia do cliente, adaptando as suas intervenções às necessidades individuais daquele. Isto envolve compreender a narrativa, a história, a personalidade e as circunstâncias únicas do seu paciente. Refira-se ainda a Técnica e a Abordagem Terapêutica cuja escolha afeta a eficácia da terapia na medida em que cada orientação se revela mais apropriada e/ou eficaz para um determinado problema e paciente único. Além destes fatores, a investigação revela ainda a importância da Consistência e Continuidade do Tratamento e as Expectativas Positivas que dizem respeito ao nível de otimismo do paciente/cliente e à sua motivação para a mudança.

A Psicoterapia é, pois, uma ciência e uma área do conhecimento transdisciplinar cuja complexidade exige que recorra a várias fontes epistemológicas de modo a poder acompanhar o desenvolvimento daquilo que é ser humano. A importância e o valor da experiência subjetiva, dos vínculos sociais, dos contextos culturais e das expectativas pessoais na interação com a doença e o processo de mudança em saúde mental configura um campo particular e próprio à psicoterapia. Esta não pode estar subjugada a mais nenhuma disciplina sob pena de perder a sua liberdade, integridade e respeito por toda uma ancestralidade de conhecimento acumulado que paulatinamente tem vindo a ser reconhecido à medida que a ciência progride.