“Suba o primeiro degrau com fé. Não é necessário que você veja toda a escada. Apenas dê o primeiro passo.”

— Martin Luther King

Ponte da Barca
Foto de Sérgio Pires
@spires07

Uma revisão quantitativa e abrangente de estudos sobre a eficácia da psicoterapia refere a formação do terapeuta como elemento critico e fundamental. Os fatores comuns de eficácia da psicoterapia são inequívocos em demonstrar a importância do papel do psicoterapeuta no estabelecimento da relação/aliança terapêutica. Ela é um dos pilares essenciais para o sucesso do tratamento.

A psicoterapia é uma disciplina científica e autónoma com mais de 100 anos de história cujo conhecimento específico se foi aprofundando através da multidisciplinaridade, i.e., o campo da psicoterapia exige a interseção com outras disciplinas afins da compreensão humana conforme referido anteriormente.

A psicoterapia tem vindo a evoluir e a construir modelos de intervenção e metodologias próprias tendo o seu progresso científico alicerçado em várias fontes epistemológicas específicas das ciências humanas e sociais bem como da prática médica como sejam os estudos de casos clínicos. Refira-se a evidência empírica, o racionalismo clínico, o construcionismo social, a fenomenologia, a interpretação e a hermenêutica, a psicanálise, o integracionismo, a filosofia, a antropologia, a ética, a análise crítica e reflexiva, entre outras.

Deste modo, a formação de um psicoterapeuta reflete todo um percurso evolutivo do conhecimento necessário para uma intervenção eficaz e competente. Trata-se de um percurso formativo distinto de qualquer outro, exigindo que qualquer aspirante à prática da psicoterapia tenha que obrigatoriamente cumprir um conjunto de critérios mínimos fundamentais. Assim, e ao contrário do senso comum, não é suficiente nem necessário ter uma formação académica em psicologia, psiquiatria ou outra para se atingir o nível de competência e perícia exigidas numa intervenção eficaz em psicoterapia.

Pintura de Manuela Araújo
@ama.ateliermanuelaraujo

De acordo com os critérios mínimos de seleção da European Association of Psychotherapy (EAP)¹, a formação de um psicoterapeuta compreende uma formação especializada pós-graduada de 4 ou mais anos de formação teórico-prática, 4 ou mais anos de psicoterapia individual didática, e 2 ou mais anos de supervisão clínica. Em algumas sociedades e escolas de psicoterapia ainda é exigido um estágio em instituição de saúde mental (ex: Sociedade Portuguesa da Arte-Terapia). Esta formação é diferenciada e específica, nomeadamente no que se refere aos 4 anos de psicoterapia individual didática - associada à supervisão e formação teórico-prática permitindo deste modo aos psicoterapeutas estarem numa relação terapêutica de longa duração a trabalhar os núcleos patológicos profundos das pessoas que os procuram. Esta particularidade essencial e crítica torna a prática da psicoterapia desaconselhada a quem apenas possui formação em psicologia, mesmo que clínica ou psiquiatria.

Trata-se de uma formação robusta desenhada para o tratamento clínico com uma metodologia própria de acordo com um modelo de intervenção cujas técnicas, procedimentos e protocolos vão ao encontro do alívio do sofrimento humano, consequentemente, um psicoterapeuta só pode exercer a sua prática clínica após 4 anos ou mais de psicoterapia individual didática, porque só pode intervir nos núcleos psíquicos profundos de outro ser humano depois de ter trabalhado os seus. Um psicólogo clínico não necessita de uma única sessão de psicoterapia individual para ser certificado como tal. Esta é uma das diferenças principais que distinguem os psicoterapeutas dos psicólogos clínicos.

O rigor impresso na formação e certificação em psicoterapia permitirá ao futuro psicoterapeuta adquirir as competências clínicas necessárias para promover a mudança, a maturação, o desenvolvimento e a saúde mental das diversas pessoas que a ele/ela recorrem, dentro dos diferentes modelos e métodos psicoterapêuticos.

Bacia Inferior do Geyser de Yellowstone, Wyoming — EUA
Foto de Sérgio Pires
@spires07

Critérios Mínimos da FEPPSI para a Formação em Psicoterapia

Assim, para ser admitido à formação em psicoterapia num determinado modelo de intervenção, é necessário ter uma licenciatura pré-Bolonha ou mestrado pós-Bolonha preferencialmente no domínio das ciências sociais e humanas ou médicas. A candidatura inclui a análise do curriculum vitae, submetido à análise do órgão competente de cada sociedade/escola e são realizadas entrevistas de admissão com o objetivo de aferir a formação académica, a personalidade e nível de autoconhecimento, a motivação e a experiência do candidato. Uma vez admitido, e de acordo com os critérios mínimos da FEPPSI, o aluno inicia um percurso de formação teórico-prática que compreende um mínimo de 500h (algumas sociedades incluem ainda módulos vivenciais), além de 175h de processo psicoterapêutico/desenvolvimento pessoal (individual, familiar ou de grupo), 150h de supervisão clínica durante pelo menos 2 anos e 250h de trabalho clínico com clientes sob supervisão num período mínimo de 2 anos. Cada sociedade define quando é que o candidato está preparado para iniciar a sua prática clínica e supervisão no modelo escolhido.

Após a conclusão da formação e de todos os seus requisitos o candidato estará apto ao “exercício do Ato Psicoterapêutico que trata, através de uma relação psicoterapêutica diferenciada e de forma abrangente, consciente e planeada, estados de sofrimento e perturbações psicossociais, psicossomáticas e comportamentais, recorrendo a diferentes técnicas não farmacológicas, da palavra à intervenção psico-corporal”².

Saliente-se ainda que a prática da psicoterapia exige ainda, pela sua natureza e história epistemológica, que o/a psicoterapeuta invista regularmente na sua formação contínua e complementar por forma a poder oferecer um serviço eficaz, eficiente e adaptado às necessidades emergentes dos seus clientes/pacientes que decorrem da complexificação das sociedades modernas, como é disto exemplo o impacto da tecnologia e das novas formas de organização e interação social.


¹ European Association of Psychotherapy (EAP) que reúne 120 000 profissionais de psicoterapia e 128 organizações de 41 países europeus, e onde estão representados a maioria dos modelos de intervenção psicoterapêutica. https://www.europsyche.org/

² Preâmbulo dos Critérios Mínimos da Formação da FEPPSI